domingo, 18 de maio de 2008

PREFÁCIO - "Rio de sal", Luís Ferreira

"Rio de sal"
Luís Ferreira
Edium Editores, 2008





Sempre procurei saber ao longo da minha vida do por quê das minhas diversas reacções. O que me faz ser e agir desta ou daquela forma. Medito sobre tudo e mais alguma coisa.

Sobre livros, não é o nome do autor, sequer a capa, a dimensão, a sugestão ou a resenha lida algures o que me cativa. Porém, não escondo que também adquiro, tirando a dimensão, pelas razões que mencionei. Mas o título, esse sim, exerce sobre mim o fascínio que me levou a descobrir vários escritores, sobretudo poetas.

Alguns exemplos de autores que assim encontrei: Amadeu Baptista, “As passagens secretas” (Fenda Edições, Coimbra, 1982); Ernesto Sampaio, “A procura do silêncio” (Hiena Editora, Lisboa, 1986); Emanuel de Sousa, “Eurídice” (Quetzal Editores, Lisboa, 1989); ou Cristóvão de Aguiar, “Sonetos de amor ilhéu” (Edição de autor, Coimbra, 1992).

Pois bem, o título da obra que vos chega às mãos, “Rio de sal”, configura-se num dos que me obrigaria a pegá-lo e a descobrir o que guardava dentro de si. E que não se pense que esta afirmação é escrita só por a escrever. Quem conhece a minha Poesia, sabe que as palavras rio e sal surgem, sobretudo a primeira, por diversas ocasiões.

Rio transporta-me para uma representação da própria vida: a fragilidade do nascimento; a impetuosidade da infância e adolescência; a ponderação do adulto; a serenidade da velhice; a inevitável resignação perante a morte. A morte que muitas vezes visto com a palavra sal.

Rio de sal é, portanto, a metáfora da vida plena porque encerra em si a consciência da morte, do que é inadiável e, como tal, torna urgente o usufruto de cada ínfima parte do tempo que medeia o instante em que nascemos e o momento em que nos entregamos ao nosso próprio mar, aquele que se sabe e sente existir mais à frente.

E é de facto isso o que encontramos a contaminar a Poesia de Luís Ferreira neste seu volume. Deparamo-nos com um mapa hidrográfico composto por poemas que são afluentes de um poema maior, que é a própria caminhada do poeta na incessante busca das palavras com que revestirá cada instante.

O leitor reparará que cada poema tem vida própria, cuidando Luís Ferreira, para nos intuir essa sensação, de os cingir a uma única estrofe, sem barragens, conferindo-lhes capacidade de legar, no tegumento da terra, a sua necessária via, entre margens, consoante a respiração do momento, através de versos desprovidos de métrica, entregues ao simples fascínio da descoberta.

Um registro poético impetuoso, porque mesurado por um olhar grávido de espanto, tocado pelas mãos onde brota o poder de criar, erguido por palavras essenciais.

Rio de Sal é um livro, uma teia poética, que, mais do que para ser lido e meditado, é para ser lido e sentido.

Xavier Zarco
Coimbra, 8 de Março de 2008

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