quinta-feira, 31 de julho de 2008

[Agora que incide na face]

Agora que incide na face
da flor o desperto olhar e
no íntimo se esculpem
as formas, as cores, o próprio
desejo de se fundirem
as almas
e de novo ser uno,
universal.

Agora que as mãos se enlaçam
e indagam o supremo gesto da
criação do signo,
do significado.

Agora é tempo de edificar
o poema,
de corromper o silêncio.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

[com uma brandura]

com uma brandura
milenar

a areia acolhe
o mar
como se fosse fecundada
de espuma breve

de sol e sal

terça-feira, 29 de julho de 2008

[agora]

agora
que sabes

o lugar dos sentidos
se descobre

perante teu olhar
se desnuda

um convite se promove
para que ascendas
e murmures

sephira tiphereth

segunda-feira, 28 de julho de 2008

[cada sílaba]

cada sílaba
traz a ardência
de antigas
formas

esculturas
legadas
a cada olhar

como se
de uma árvore
mil ramos
se derramassem
em sentidos
múltiplos

domingo, 27 de julho de 2008

[ágil]

ágil

a palavra
esvoaça

é música

verso
nado

no ventre
do sonho

sábado, 26 de julho de 2008

[Adormecera na branda e]

Adormecera na branda e
branca espuma do mar

e no dorso
das ondas

deixou o sonho
embarcar

Nesse instante
tão curto
como derradeiro

saboreou
a maçã do saber
e soube o preço da liberdade

Perdera deus
ganhara vida

sexta-feira, 25 de julho de 2008

[Cada poema é o graal]

Cada poema é o graal
reencontrado
eterno manjar
redescoberto

quinta-feira, 24 de julho de 2008

[As palavras, escassas, sob a]

As palavras, escassas, sob a
erosão do poema exposta à
germinação do olhar.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

[Aceso o cigarro, esqueço]

Aceso o cigarro, esqueço
o tempo que passa. Procuro
a espera de alguém. Ninguém vem
na rua descendo ao encontro
da minha janela, onde ausente
estou de meu ausente olhar.

terça-feira, 22 de julho de 2008

[Acaso o ocaso é breve como]

Acaso o ocaso é breve como
as mãos que a candura criam
ao encetar o movimento.

O movimento que ascende
rumo ao desejo. Rumo ao centro
da própria palavra original.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

[arte]

arte

fazer
do visto
mundo

em meu olhar

o teu olhar
do mundo

domingo, 20 de julho de 2008

[acaso]

acaso
o sol poente

é onda
batendo

no silêncio

da noite

sábado, 19 de julho de 2008

[arde]

arde
nas veias
a seiva

célere
poema

instante
alado

tronco
de onde braços
se estendem

para acariciar

o sonho
de ícaro

sexta-feira, 18 de julho de 2008

[apreendi]

apreendi
a arte
do envoltório

mover
o centro

e ser
acto livre

nascer
e morrer

num só instante

quinta-feira, 17 de julho de 2008

[Ao corpo, recolhe em silêncio]

Ao corpo, recolhe em silêncio.
O peso da matéria,
de novo, sente
porque uma voz te chama
para na máscara diurna
te recolheres
para inventares um sorriso.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

[a tecedeira tece a vida]

a tecedeira tece a vida
no gesto paciente que a gravura
fixa ponto por ponto no tear
e ao olhar se desvenda
como cortina que se abre
lentamente para a visita do sol

terça-feira, 15 de julho de 2008

[A pedra aguarda a mão do tempo]

A pedra aguarda a mão do tempo
o vento
o cinzel paciente
trabalhando
as arestas do verbo
a poesia

segunda-feira, 14 de julho de 2008

[A orla de teu corpo]

A orla de teu corpo
fim do meu deserto

domingo, 13 de julho de 2008

[A noite estava fria. Trazia um]

A noite estava fria. Trazia um
hálito de dezembro em pleno agosto.
Olhava a seca flor por entre as páginas
do livro e meditava: como é breve
o silêncio quando se abre a vida
como uma persiana para ver
o mundo. O mundo chora como a flor.
Dão-lhe a imagem da morte pela vida.

sábado, 12 de julho de 2008

[anseio]

anseio
sorver
das alturas

o saber
ignoto

o cântico
das estrelas

a magia
de rodopiar
em torno de mim

sexta-feira, 11 de julho de 2008

[Ancestral]

Ancestral,
o poema surge íntegro.
Abraça o silêncio
que habita na memória.
Na construção de um verbo nado eterno.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

[algures]

algures

a mão
trabalha
no ofício
do gesto

para que as palavras
se recolham

uma
a uma

na candura
do verso

quarta-feira, 9 de julho de 2008

[a memória]

a memória
extingue-se

no dizer
breve

da morte

terça-feira, 8 de julho de 2008

[A mão agarra na pedra e]

A mão agarra na pedra e,
sentindo o seu corpo, demanda
a forma oculta como um
ventre fecundo de mulher.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

[a mão]

a mão
esboça

o gesto

iluminando
no ventre

a palavra

domingo, 6 de julho de 2008

[A luz. A magia da luz]

A luz. A magia da luz
aflorava no olhar. Por uma fenda
antevia a cor, a cor
de um desejo imenso
que fluía
entre dedos
na ramagem do tempo.

Acordava abrindo uma janela
para dependurar
um quadro

o derradeiro sonho
de uma viagem
ao interior da alma.

sábado, 5 de julho de 2008

A José Craveirinha

José traz a palavra qual semente
no ventre de seus olhos. Era no
branco solo da página que o po-
ema brotava. Verso a verso. Pétala
com o sol encantada, indagava a
luz. José admirava o subtil fio
de ouro que por magia se erguia em
cada verso. Por ele, subia. Hábil,
trepava na candura dos acordes
emanados. José aprendeu essa
música, a flor secreta. E quando o seu
olhar fechou, em suas mãos guardava
o aroma desta terra onde nascera
e as palavras da safra que colhera
e que nos dera em cântico de sonho.
De todas, as mais belas, essas tinha-as,
preciosas, bem junto ao coração:
Maria, Moçambique, Liberdade.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

a Joaquín Rodrigo

no sol da andaluzia
talhaste o bojo de uma guitarra
e dedilhaste a vida
a magia da cor
da luz de aranjuez
sentindo-a como tua
somente tua

e no trasto do sonho
acordaste o acorde
o início da melodia
que célere trepa
como cometa
o tegumento do cosmos

ao sol da andaluzia
adormeceste
e como grega pomba voaste
rente à abóbada celeste

quinta-feira, 3 de julho de 2008

[À guisa de posfácio, pousei]

À guisa de posfácio, pousei
Um derradeiro verso sobre a fria
Laje que cobre o túmulo onde um dia
Meu corpo inerte, inútil deixarei.

Pouco me resta, é certo. Do que sei,
Sendo pouco, farei uma enxertia
Em outra árvore. Quero poesia
Legar pelos recantos onde andei.

Semear poesia, é construir
Memória, sentido, sentimento.
É certeza da vida a refulgir.

Quando morrer, que morra. O que perdi,
Foi pouco mais que o instante, um só momento,
Porque, de resto, soube que vivi.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

[A cama, lençóis, fronhas, almofadas]

A cama, lençóis, fronhas, almofadas,
edredons, cobertores e as colchas.
Para haver poesia bastaria
o meu corpo, o teu corpo e nada mais.

terça-feira, 1 de julho de 2008

[a argila]

a argila
como sémen

aguardando
o gesto
de oleiro

que a erga
em carne
e sangue

e movimento