sábado, 28 de fevereiro de 2009

[Desejo ser um pastor]

Desejo ser um pastor
E tocar a flauta ao vento
Entregar-lhe minha dor
Com laivos de sentimento

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

[deram-te]

deram-te
a enxada

para que cavasses
fundo
a cova

onde
como semente
deitaste
o verso

as palavras
frondosas

que domam
o vento

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

[da boca]

da boca
nasce o grito
óvulo em chama
pássaro tresloucado contra as grades
do silêncio
longe
o eco proclama
o que se liberta
abre-se à diáspora
peregrina que anseia a eternidade

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

[Criámos a arte como se esboçássemos]

Criámos a arte como se esboçássemos
um caminho de regresso
a casa. A uma linguagem
inicial, repleta de sentidos.

Talvez o equilíbrio
perdido anunciado por Piet Mondrian.

Uma viagem no tempo
antes do tempo o ser.

Imaginamos
um mundo sem Babel. Um mundo pleno
que cabe no côncavo
das mãos ao reflectirem
sobre a água
que acariciam e guardam.

Mas resignamo-nos
a um naco de palavras sobre a mesa
com que inventamos amor e ódio,
com que definimos
vida e morte,
com que moldamos o trilho
do viandante, atribuindo
a cada coisa um nome
para a nomearmos,
e a cada nome um rosto
para que a representemos.

Cada vez mais longe
e, no entanto...

Observa,
há uma estrela
a sorrir no firmamento.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

[corpo:]

corpo:
via
exposta
ao
rigor
da
música,
à
suprema
linguagem
do
cosmos

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

[contei-te do verso amar]

contei-te do verso amar
a conjugação do sonho
mas não do gesto nado em mim

domingo, 22 de fevereiro de 2009

[com o olhar fecundo]

com o olhar fecundo
de distância

a mulher
vestida de estrelas
enchia a casa
com as matizes da noite

embriagada de lua
olhava-se no íntimo
dos espelhos

seu rosto ardia
pungente reflexo do parto
que a noite promove

sábado, 21 de fevereiro de 2009

[captei o íntimo do olhar]

captei o íntimo do olhar
o sonho explodindo
nas pétalas das lágrimas

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

[arrisco a voz]

My voice goes after what my eyes cannot reach

Walt Whitman


arrisco a voz
no prenúncio da queda

cada desejo é maior
que o próprio destino

o supremo cartógrafo
desenhara
o mapa da vida
tecera os contornos
do movimento
da respiração

minha voz indaga
o que meus olhos
não podem alcançar

mas persisto

arrisco o canto
o poema como ave
que desconhece amarras
e que de azul pinta
o fulgor do sonho

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

[brota]

brota
o sol

por onde

o olhar
repousa

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

[Aproxima-se, o vento era a sua obra]

Aproxima-se, o vento era a sua obra,
o fruto do seu gesto nas arestas
da terra. Aí, ficou observando o
movimento, os cabelos que se soltam
da raiz da escultura que molda
o corpo peregrino e ágil do verbo.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

[Aprendo a voar. A sentir]

Aprendo a voar. A sentir
a queda, a espiral, a atracção –
respiração contida. Arde
dentro a arte da morte. Explosão
de um verso – poema que foge.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

[após cada palavra]

após cada palavra
outra se esboça

argila
moldada pelo tempo

ao rigor do olhar

domingo, 15 de fevereiro de 2009

[ao longe]

ao longe
o sol arde
na floração do mar

sábado, 14 de fevereiro de 2009

[Ao longe, onde o poema nasce, sente-se]

Ao longe, onde o poema nasce, sente-se
o frémito da sílaba esculpida,
o murmurar da pedra, o olhar que medra
no vértice do tempo, cada gesto
é uma ave que voa para a luz,
é o desejo de água correndo
que a mão acolhe e a boca pronuncia.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

[Ao fundo, ouve-se o vento sussurrar]

Ao fundo, ouve-se o vento sussurrar
na copa do poema. De seus ramos
se desprendem os frutos que voam
para junto do olhar desperto ao sonho.
É aí, no recanto onde os sentidos
aprendem o supremo ofício, a
melodia das coisas simples, que
pulula a arte, a palavra inaugural.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

[Almejo um rosto]

Almejo um rosto
perto da fonte dos desejos
Um beijo na face dos dias
Um silêncio maior
que o próprio infinito

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

[Alinhei as palavras]

Alinhei as palavras
...................uma a uma
na tela depurada do silêncio.

Bebi
.....de sua música
...................a poesia
o ritmo iluminando a voz
.........................o vento
levando ao colo cada verso nado

Sentei-me
..........do riacho ao fundo
.............................som
sussurro subtil de água brincando
com o dócil cabelo da paisagem

E o olhar liberto
..................solto no horizonte
onde
.....o que nasce
.................é breve e permanente

Das palavras
.............sei pouco
.......................são semente
corpo alado rumando para o sol

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

[Agarro na gota de orvalho]

Agarro na gota de orvalho
que beija a epiderme da rosa.
É nela que entendo Narciso.
Seu nome será lago. Seu rosto
será candeia dos meus olhos.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

[Adormecera à beira-rio com]

Adormecera à beira-rio com
o sorriso do sol no espelho de água,
com o rumor das aves no poente.
Descobrira, na música das árvores
o caminho, a viagem rumo ao ventre
onde todos os sonhos nidificam.
E deixou-se ficar frente ao poema
colhendo em cada verso o seu sustento.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

[acordo o murmúrio]

acordo o murmúrio
acendendo na memória
o distante cigarro do silêncio

pela noite dentro
um homem se despenha
um vulto se desenha

talvez a face resista
à pressão do tempo

à mão do escultor
que cria a máscara
na cabeça da criança

sábado, 7 de fevereiro de 2009

[acordo com o riso]

acordo com o riso
........................................das gaivotas
........................................só ficou
........................................o bater
........................................breve de asas
........................................afagando
........................................o silêncio
do teu corpo
................dormias
........................................era cedo
........................................maduro o
........................................fruto pende
........................................e desenha
........................................o desejo
........................................de cair
novamente nas águas secretas
íntimas e profundas
........................................das gaivotas
........................................e dos frutos
........................................resta o olhar
........................................da memória
........................................quadro
..................................................espelho
reflexo dos teus olhos quando acordas
e me chamas e acolhes no teu corpo
o meu corpo
................voemos para o sol

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

[Acordei cedo. Cedo demais tal-]

Acordei cedo. Cedo demais tal-
vez. Aqueço café. Entre mãos, guardo o
calor da porcelana. Saio. Vou
para a varanda. É fria a brisa que
me diz bom dia. É bom dia, acordei
a tempo para ver os malmequeres
abrirem suas pétalas para o
sol saudarem. Bom dia, mundo. Fecho
o caderno dos versos e vou com
o sol rumo ao eterno nascimento.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

[acendo o silêncio]

acendo o silêncio

a vida
prepara-se para romper
o sexo da noite

descende da cepa do vento
que errante
deseja as cavernas
descritas na face do tempo

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

[acendi um cigarro]

acendi um cigarro

senti que estava a despertar
uma história antiga

do fumo
que ondulante ascendia
retirei
o esboço dos teus cabelos

de súbito
a tua face
o sorriso exposto
de uma noite de luar

mágico e sereno

como este rio
que se espreguiça em seu leito

e as tuas mãos
de seda e linho

capazes de afagar o vento
de lhe descobrir o corpo

que na constante fuga se oculta

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

[a madrugada]

a madrugada
é poema edificado
tempo do desejo
de sentir teu corpo
como meu

inventar o movimento
semear sentidos
murmúrios
no iluminado ventre
das palavras

e embarcar
naufragar

ir à deriva no teu rio
até que o mar me engula

e adormeça

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

[a cidade é um canto iluminado]

a cidade é um canto iluminado

surge a sua voz
na face do rio

com o côncavo das mãos
recolho as sílabas
bebo-lhes o ritmo

incendeio os lábios
com as palavras que se formam

e semeio os sentidos
para que os colhas

em cada estrofe
em cada verso

domingo, 1 de fevereiro de 2009

[A cidade adormecida]

A cidade adormecida
Repousava em meu olhar
Tal como uma ave ferida
Com vontade de voar

É meu corpo desenhado
Desejado de mulher
Sobre a colina deitado
À mercê de quem vier