domingo, 18 de maio de 2008

2008.03.29 - Biblioteca Municipal Luís de Camões - Alvito - Apresentação de "Da humana condição", de José-Augusto de Carvalho

Felizmente, hoje não estamos aqui para analisar o estado das coisas na cidade dos livros no que diz respeito à Poesia, mas para celebrar a Poesia. Não só pela edição deste meu livro, mas para apresentar uma das obras mais relevantes que tive o privilégio de ler nos últimos tempos: “A humana condição”, de José Augusto de Carvalho.
Desculpem a presunção, mas hoje sinto que a Língua e a Literatura portuguesas ficam mais ricas. Com estas também todos os que assim o desejarem.
Neste singelo objecto, a que denominamos por livro, conjunto de folhas encapado e cujas páginas se encontram impressas, descobrimos a rebeldia de Miguel Torga, a magia reflexiva de Antero de Quental, a beleza estética de Camilo Pessanha.
Tudo isto, e talvez mais, mas com um registro muito próprio, nado de uma voz madura, autónoma, autêntica cujo legítimo proprietário, talvez por usucapião, por efeito do tempo, é o poeta José-Augusto de Carvalho.
Depois deste preâmbulo, naturalmente que só posso sentir orgulho em estar aqui a efectuar a apresentação deste título: “Da humana condição”.
Conheci o José-Augusto de Carvalho em Coimbra. Num almoço promovido por um grupo de pessoas que tinham em comum, pelo menos assim o pensava, a paixão pela literatura.
Quis a sorte, porque de facto a sorte assim o ditou ou premeditou, que partilhássemos, em excelente companhia, uma extremidade da mesa.
Falámos de livros, de literatura, sobretudo de Poesia, e de coisas banais, embora a literatura também devesse ser uma coisa banal, mas, independentemente do tema, foi uma conversa animada, agradável, porque franca, sem rodeios. Rebateram-se pontos de vista e crescemos com a visão alheia. E é assim, a meu ver, que deve ser.
José-Augusto de Carvalho é um homem assim. Abre-se ao diálogo sem máscaras. E se assim faz o homem, assim age o poeta.
A Poesia é comunicação, é dádiva. É um espaço aberto para o mundo emotivo e reflexivo, para as coisas mais singelas e complexas.
Este “Da humana condição” é um livro escrito, sobretudo, na primeira pessoa, criando, desta forma, um ambiente de proximidade e, com este, a real possibilidade da comunicação.
A sua Poesia é, portanto, sem adiposidades, sem excessos, límpida. Com os recursos de linguagem utilizados, eleva-a a um patamar que adjectivo de universal, inteligível.
Alcança-o através de uma contextualização despojada, porque plena de saber, onde pode o leitor, independentemente da sua condição, aceder a esta sem limitações de qualquer sorte.
José-Augusto de Carvalho elabora o seu livro desta forma, dado pretender, na minha leitura, desenvolver uma espécie de luta contra o esquecimento, contra a indiferença, retratando lapidarmente o drama, a dor do Homem, não só no seu tempo e circunstância, mas através dos tempos e das circunstâncias, revelando-nos a triste constatação que, na essência, tudo permanece constante.
Mas esta visão do mundo é ofertada com arte. Entendo a verdadeira arte como um registo intemporal, algo que permanece liberto dos grilhões do tempo. E a forma como o poeta nos lega a sua visão do mundo, apesar de hoje as formas clássicas serem olhadas de soslaio, talvez mais por falta de engenho do que por outro motivo, é pela demonstração da validade dessa herança poética, o que torna este livro ainda mais rico.
Quem herda deve cuidar da herança. Em Poesia, deve moldá-la à sua própria voz. José-Augusto de Carvalho, consciente do que em mãos possui, é isso que faz.
Encontra na forma clássica o local de eleição para a possibilidade do poema, mas prescinde de alguns esquemas canónicos, por exemplo, no esquema rimático ou na própria estruturação. Fá-lo em prole do leitor, aquele que verdadeiramente possuirá o poema.
Esta preocupação do poeta nota-se, sobretudo pela musicalidade que dos seus poemas nasce, fazendo radicar nessa característica fundamental em Poesia o garante da transferência para o outro da mensagem.
E é uma mensagem forte, plena de humanismo, de valores e causas que deveriam ser um bem comum.
Há um outro aspecto que devo realçar. No seu registro poético sente-se a contaminação de um efeito que reporto de extrema importância: a metonímia. Ou seja: tomar o todo pela parte ou o contrário, a parte pelo todo.
A sua Poesia tem, na minha leitura, esse poder. Fala-nos do mundo como se nos dissesse da nossa rua. E esta é a magia da sua palavra.
Logo, só posso dizer o seguinte: obrigado, José-Augusto, por escreveres assim.
E obrigado a todos vós pela vossa presença.

Sem comentários: