domingo, 28 de setembro de 2008

Prefácio - "Mínimos instantes", de Paulo Afonso Ramos (Edium Editores, 2008)


"Mínimos instantes"
Paulo Afonso Ramos
(Edium Editores, 2008)


Prefácio


Desde os primórdios da Humanidade que o Homem entendeu querer desvelar o Tempo. Mesurá-lo de forma a controlá-lo. No entanto, o feitiço virou-se contra o feiticeiro e o Homem tornou-se num quase escravo do Tempo.

Isto surge a propósito de uma velha questão. Há alturas em que pondero se posso de facto ler este ou aquele livro, se tenho naquela altura o tempo suficiente para o fazer. Muitos são os que se vão acumulando, sobretudo para o período das férias. E tudo porque há coisas na vida que têm muito mais valor do que a literatura: a família, mas, sobretudo, os filhos. Por isso, há que optar. E eu, como qualquer outra pessoa, opto.

Escolho livros para a leitura imediata que sejam de fácil transporte. Tenho aí a vida facilitada porque, por norma, os livros de Poesia são de pequenas dimensões.

Neste momento, deve estar o leitor a pensar do por quê de um prefácio escrito com este conteúdo, mas imagine, imagine que tem de utilizar transportes públicos para ir e voltar de casa para o trabalho e do trabalho para casa.

Imagine que até dispõe de uns bons quinze minutos no início da manhã antes de picar o ponto.

Imagine que na hora de almoço lhe sobram mais uns dez minutos antes de regressar à labuta e até está num daqueles dias em que a melhor companhia de todas é exactamente aquela pessoa que todos os dias vê ao espelho.

Imagine que o autocarro ou o combóio demora mais uns cinco minutos para chegar.

Agora, opte entre o que poderá fazer nessa meia-hora da sua vida. E tudo, porque, imagine, não tem hipóteses de fazer aquela viagem de ida ou de volta sentado. Porque aí sempre tem mais uns minutos para agregar à contabilidade do tempo, do tempo que lhe escorre entre os dedos.

Talvez por tudo isto, mas sobretudo pelo que encerra este livro de Paulo Afonso Ramos, sugestivamente intitulado “Mínimos instantes”, enquadra-se no que se pode ler exactamente nesses momentos da nossa vida.

São pequenas histórias, mas grandes na intensidade, na reflexão, na paixão com que o autor se entrega a desenhar cada quadro. Tudo, mas servido na exacta medida do tempo, do nosso tempo quotidiano.

No entanto, não se iluda pela disposição gráfica dos mesmos. O seu registro de linguagem aproxima-se mais da Poesia, tal é o grau de elaboração empregue por este verdadeiro poeta, mas que aparentemente nos surge ao olhar como prosador.

Paulo Afonso Ramos é um verdadeiro pintor por palavras. Dá-nos, através do seu registro, sensações, sentimentos e reflexões sobre o seu próprio caminhar, sobre o que observa e que nos lega pela escrita.

Fá-lo de uma simples e cristalina, sem carambolas. E fá-lo porque sabe o quão precioso é aquele mínimo instante que possuímos para nos determos perante um texto.

Agora, fala a voz da experiência, lê-lo é assumir o risco do virar de página e só sair na paragem seguinte, mas é aí que reside o encanto da sua palavra, o saber cativar a quem ousa terminar um poema ou uma história e seguir para a próxima página sem antes verificar onde nos encontramos.


Xavier Zarco
Coimbra, 20 de Maio de 2008

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