terça-feira, 16 de setembro de 2008

2008-09-13 - Apr. de: “Sentada na Areia”, Joana Moça (Edium Editores, 2008) - Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco, Famalicão

Embora sabendo que me vou repetir, tenho de agradecer, e muito, a vossa presença aqui, nesta tarde de sábado, para assistirem ao lançamento de um livro de poesia. Mais agradeço dado se tratar de um livro especial, especial porque o primeiro da poetisa Joana Moça.

A poesia, tantas vezes tratada como o parente pobre da literatura, bem merece – e, por certo, também ela agradeceria – a vossa presença.

Muito obrigado por este vosso gesto.

Agradeço, também, à autora este inesperado convite. Posso dizer que não vim de propósito de Coimbra até Famalicão, mas vim com extremo agrado. Há de facto alturas em que só se pode dizer sim.

Bom, mas o certo é que sobre a Joana Moça, que hoje faz a sua estreia no mundo dos livros, não no acto da escrita de índole literária, pouco sei. Só hoje tive o privilégio de a conhecer pessoalmente.

O que tenho conhecimento está escrito na sua sinopse biográfica constante neste seu livro.

No entanto, pelo que li, não só no seu livro, mas também no seu blogue, embora se diga que o poeta, neste caso a poetisa, seja um fingidor, traz-me a imagem de alguém sensível e, através dessa sensibilidade, de alguém que procura interpretar o mundo por forma a entregar ao outro essa sua interpretação da maneira mais simples, mais perceptível possível.

Em suma: alguém que pretende comunicar de forma cristalina, sem adiposidades de qualquer sorte.

O livro: “Sentada na areia”, que hoje aqui se apresenta, editado sob chancela da Edium Editores, é o retrato perfeito dessa sua postura perante as mais diversas situações.

Este título: “Sentada na areia”, isto sem que haja necessidade de o abrir, sugere-me, de imediato, duas situações.

A primeira, alguém que está num areal. Nada mais simples. Mais concretamente, numa praia onde a imagino a contemplar o mar. Talvez observe o movimento das ondas. No entanto, pessoalmente, imagino a poetisa, a criadora desta obra, a contemplar a distância, aquela linha onde o mar e o céu se fundem num único corpo. Esta é a primeira sugestão.

A segunda aproxima-se mais da própria essência da poesia, do acto de construir e destruir para possibilitar uma nova construção. Imagino os parques infantis da minha infância onde havia sempre uma caixa de areia. Há uma criança que brinca sentada na areia. Ergue e arrasa e ergue a sua construção. Esta é a segunda sugestão.

Estas duas situações que o título me sugere são acções próprias da poesia. O poeta precisa de observar o mundo, necessita de encontrar pontos de fusão entre o mundo das ideias e o mundo material que, há pouco, representei como o horizonte.

Mas o poeta procura mais. Sabe que é urgente construir, destruir e voltar a construir, tal como a criança, o que ergue como poesia. A sua areia são as palavras. Trá-las para o corpo do poema, não só pelo que estas transmitem no plano racional, mas também pela musicalidade, plano emotivo, que estas em si possuem.

E é isto o que de facto se pode ler em “Sentada na areia”. Aliás, se tivesse necessidade de elaborar uma síntese, escreveria: “Sentada na areia”, uma viagem ao complexo através do simples ou uma viagem ao universal através do particular.

De facto, a escrita de Joana Moça demanda radicalmente o âmago do que a rodeia para posteriormente nos legar não algo como contemplado, mas algo a contemplar. Pretende, pelo menos esta é a minha leitura, através do que sente e pensa e que pela acção transforma em poema, dar-nos, é certo, a sua interpretação da coisa contemplada, mas mais do eu isso, dar-nos a possibilidade da fresta por onde o leitor – o que ousar fazê-lo – poderá, ele próprio, descobrir.

É uma poética que convida a essa descoberta, fá-lo mas do que entregar o dado como adquirido.

Talvez por isso Joana Moça escreva o seguinte, e passo a citar:

“São as ilusões que nos fazem caminhar”, fim de citação.

Através da descoberta particular, transfigurada em poema e em ilusão, entendida aqui não como erro de percepção, mas como sonho ou desejo, a autora estabelece um objectivo: através da escrita sugestiva possibilitar ao leitor o acesso a um espaço de partilha, de partilha de um caminho.

A elaboração do poema, objecto de arte, como tal feito para o usufruto do outro, parte do eu quer seja através de um plano sentimental, sensorial ou racional.

No caso de Joana Moça este eu surge como elaborador de um ponto de partida, não de um ponto intermédio ou final. Preconiza a abertura da tal fresta sobre o mundo por onde o leitor, como há pouco mencionei, pode entrar.

Se o fizer, pode então partir em busca dos caminhos da sua própria ilusão, aquela onde radica a essência do seu próprio caminho. O caminho visto sob a definição de Antonio Machado, aquele que se faz ao caminhar.

Há, portanto, e em forma de resumo, aqui, nesta obra, os cinco movimentos enunciados:

Primeiro: a sugestão do acto de contemplar, de observação – objecto a ser;

Segundo: indícios da recolha das palavras, matéria que enformará o objecto;

Terceiro: o facto em concreto da criação da possibilidade do objecto – o poema para o poeta;

Quarto: a pretensão da destruição do poema pela leitura;

E quinto e último: a possibilidade da criação do objecto em si – o poema para o leitor.

Joana Moça, neste seu “Sentada na areia” abre a possibilidade do caminho, indaga das suas coordenadas, elabora a sua cartografia, mas tudo para que seja ao outro possível o desenho do passo.

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